Ela procurava um arquivo no Pc de cujo nome não se lembrava
de como salvara, com o objetivo de complementar
um trabalho de pesquisa.
Clicou em uma palavra-chave na possibilidade de abri-lo.
Apareceram vários arquivos com o mesmo
nome. Ela escolheu aleatoriamente um deles e eis que surge um “fatídico”,
contendo uma conversa que a fez quase perder o fôlego. Era um bate-papo do
parceiro dEla com outra. Aprendera, desde sempre, a não abrir correspondências
nem se apropriar de nada que não fosse seu, que não lhe dissesse respeito. Mas algo mais forte, que
não sabia definir, a impelira a
continuar e a continuar lendo.
E ali, na tela, confrontou-se com muitos diálogos; foram
muitas conversas com várias outras mulheres. Não eram conversas apimentadas,
eram conversas românticas, com uma certa profundidade, entusiasmantes, lindas,
algumas com certa pieguice, até ridículas – “cartas de amor são ridículas. Não
seriam de amor se não fossem ridículas”,
diria o heterônimo Álvaro de Campos, de Pessoa -pensava agora. A vista
se turvara, à medida que se concentrava na leitura.
Estava com Ele há três anos. Eles tinham, aparentemente,
tudo a ver um com o outro. Ele era companheiro, parceiro em tudo que faziam, romântico, apaixonado, sempre se
esmerando em cuidados e carinhos com Ela. Ela vinha de um relacionamento
conturbado, achava que já não seria mais capaz de amar alguém. Havia deixado
claro isso quando Ele, entusiasmado,
aproximara-se dEla.
Tanto Ela quanto Ele prezavam
a liberdade, simpatizavam com a possibilidade de um relacionamento aberto,
jogavam limpo um com o outro, conversavam horas sobre tudo, tinham trajetória
de vida bastante parecidas. Ambos tinham em
torno de quarenta anos, vinham de
relacionamentos que não haviam dado certo. Ambos com filhos. Ambos dispostos a
recomeçarem, com projetos e sonhos
parecidos. Ambos com a mesma sintonia em tudo. E tinham a bendita afinidade de pele, de cheiro.
Ele parecia mais apaixonado que Ela, embora Ela já se sentia pertencida a Ele, que soube conquistá-la com o
tempo, com toda a paciência e carinho do
mundo.
Tinham Faces separados,
a pedido dela que priorizava a individualidade, ao que Ele rebatia, insistindo
até em lhe passar o seu Login, o que Ela sempre rejeitara . Ela levantava a bandeira da
liberdade sempre!
E agora Ela ali, paralisada, vista turva, corpo mole, aperto
no coração. Não conseguia sair de frente
da tela, não tinha forças para isso..”.O que os olhos não “leem” o coração não
sente...saia daqui enquanto há tempo”...a vozinha sábia da intuição gritava-lhe
incessantemente.
E quanto mais lia, mais queria ler...Então algo estaria errado. Eles não
estavam bem. No fundo talvez soubesse que Ele a percebera sempre menos disponível nos sentimentos para com Ele. Pelo horário das conversas
dEle, pelo comportamento dela naquele momento, pelos sentimentos confusos
agora, tudo poderia denunciar falhas nesse relacionamento, aparentemente
estável, com uma certa cumplicidade gostosa. Não, Ela não se sentiria culpada,
sentimento tão comum entre as mulheres em uma situação dessas. Mas Ela não era esse tipo de mulher. Não
meeesmo. Era moderna, arrojada,”cabeça”
demais pra essas frivolidades, pras
essas trapaças (artimanhas!) do coração.
IMAGENS GOOGLE |
Quando deu por si, percebera que aquilo já havia lhe
consumido. Enveredara-se para o precipício. Esta era a verdade.
Foram horas, dias
vasculhando as conversas e, à medida que
Ele a olhava dizendo o quanto a amava, estranhando a mudança súbita dEla para
com Ele, Ela o rebatia, já um tanto
descompensada, tentando uma possível resposta para aquilo tudo, ironizando-o,
instigando-o a falar sobre aquele
comportamento, corroída por sentimentos torpes, dignos de uma análise
Machadiana. Não poderia lhe dizer sobre esse seu deslize de vasculhar a
privacidade alheia. Torturava-se por isso, não era da sua personalidade ser
assim, invasiva, nunca! Não havia culpados. Não haveria cobranças. Mas nada
poderia ser como antes. Ela já não o enxergava como outrora. A admiração que
nutria por Ele tinha ido para o ralo.
Antes fossem conversas apimentadas - seria normal para Ela
se tivessem esse teor...homens são
vulneráveis a isso – pensava agora, mais atormentada do que nunca. Não
eram. E as personagens ali, naquelas conversas, eram de todos os tipos, de longa data e recentes, paralelas
a outras. A todas as mulheres, Ele fazia
juras de amor, planejava coisas em comum, inclusive filhos. Conversas
cheias de comprometimento, correspondidas por todas elas, longas conversas em
horários distintos, com uma certa intimidade comovente, envolvente, eloquente.
A todas se dirigia com “Oi, meu amor!”, dentre tantos outros vocativos
surpreendentemente românticos.
Começara a evitá-lo, após todas as tentativas de tirar dEle
uma certa verdade. Sempre fora segura de si, sempre abominara esse tipo de
relação, de comportamento que desequilibrava os parceiros, que confundia
sentimentos, que aprisionava, sufocava. Ambos
eram pessoas esclarecidas, maduras, abertas...e por que isso agora? Por que Ele
não se abriria sobre isso?
E por que Ele deveria se abrir? Qual seria o conceito desse
suposto amor? Seria apenas ego ferido? Uma suposta tentativa de se apossar do
outro? Ridículo. Muito ridículo tal sentimento.
Um dia desvencilhou-se da tormenta. Acordou, olhando para Ele com grande docilidade.
Tratou-o como antigamente.
Produziu-se no estilo
“vestida para matar”, como há muito não o fazia. Dissera-lhe, sob o olhar deslumbrado,
confuso e inquisidor dEle, que iria ao supermercado e já voltaria.
Passou a tarde com um lindo rapaz que sempre a rodeava,
sempre “babando” por Ela, sempre a cercando de atenções e elogios. Chegou a casa
horas depois, olhos brilhantes, cantarolando, feliz.
Sentia-se “ vingada”.
(...)
Mal sabiam Eles que estavam enganando a si mesmos, não sendo
tão parceiros como pensavam, não sendo leais consigo mesmos, confundindo
sentimentos, tão ausentes do diálogo, dos verdadeiros sentimentos, tão
fragilizados um com o outro. Tão solitários,
tão desvinculados um do outro!